De acordo com
as pesquisas, as mágoas podem ser uma razão relevante para ficarmos adoecidos
emocionalmente e fisicamente. Religiosos e cientistas concordam que o melhor
caminho é caminhar sem nenhum peso de mágoa no coração. Entretanto, a mágoa é
uma realidade clínica, encontramos filhos magoados com seus pais, pais com seus
filhos, esposas com seus maridos, maridos com suas esposas, irmãos entre si. E
não é incomum que familiares não troquem uma palavra sequer entre eles por
décadas. Nas relações de trabalho, ou entre colegas e amigos, são muitas as
relações destruídas pela mágoa. E me parece que a mágoa é como uma boa semente,
que tem seu terreno, o coração humano, adubado com os mais equilibrados
compostos.
Por que, então,
é tão difícil perdoar?
Para Freud, o
criador da teoria psicanalítica, somos todos neuróticos, o que é bom, pois
estes são os menos doentes. Os demais são classificados como psicóticos e
perversos. Os psicóticos são as pessoas cujo contato com a realidade está
interrompido. E os perversos são as pessoas para quem o outro não tem nenhum
valor. São comumente confundidos com os psicopatas, o que é errado, pois
trata-se de outra coisa.
Freud também
afirma que a inveja é a base para todas as construções humanas. Tudo que foi
criado a teve como motivação. Sendo assim, podemos concluir que, sendo doentes
e invejosos de fato, perdoar parece algo para além dos humanos, talvez só para
aqueles que provaram o néctar dos deuses, não dos deuses gregos, porque estes
são tão temperamentais como nós.
Os humanistas
afirmam que o homem é o centro de toda criação, sendo um ser racional, com
consciência intencional. Segundo essa assertiva, a pessoa humana é incapaz de
atingir todas as suas potencialidades por causa da influência do ambiente.
Rousseau foi além, dizendo que “o ser humano nasce bom, e a sociedade o
corrompe”. Estaria a dificuldade em perdoar relacionada ao ser bom ou ser mau da
pessoa, ou ao ambiente que a cerca. Como o ambiente tem os tons que a pessoa
dá, fica difícil sustentar a ideia de Rousseau. O histórico da saga da
Humanidade mostra que perdoar é uma das mais difíceis tarefas que cabem a
homens e mulheres.
Partidário do
pessimismo, o filósofo Jean-Paul Sartre disse que “o inferno são os outros”,
indicando que todos os relacionamentos trazem uma carga de tensão, que inexiste
quando a pessoa mergulha na misantropia ou na total falta de empatia para com “o
outro”.
Nossas
expectativas com relação aos outros tem a ver com a maneira como enxergarmos a
nós mesmos. Esperamos do outro o que acreditamos oferecer a ele. Mas essa
crença, esse acreditar pode ser um grande equívoco, na maioria das vezes as
pessoas se enganam quanto ao que oferecem aos demais.
As
expectativas levam a esperar do outro aquilo que se quer. Isso equivale a dizer
que elas têm a ver com o egoísmo. É uma atitude infantil esperar dos outros a
satisfação das necessidades que se tem. Popularmente, essa posição é chamada “umbigolatria”,
a autoadoração segundo a qual o Universo gira em torno de quem se avalia de
forma superestimada.
O egoísmo
parece, em última instância, ser o grande problema do ser humano. O egoísta é
aquele que vive em função de si mesmo, geralmente é melindroso, traz em si uma
criança que insiste em ocupar o lugar do adulto. Normalmente há uma exagerada
autocomplacência e, num lado oposto da mesma moeda, uma extrema autocriticidade,
e uma ou outra coisa irá desembocar na sua relação com os outros. Esse
indivíduo sempre esperará que os demais supram as necessidades dele, sejam elas
quais forem, delegando assim a terceiros a gerência de sua própria vida, o que
certamente provocará muitas mágoas.
Narciso, figura
da mitologia apropriada pela Psicologia e pela Psicanálise, morreu por não conseguir
se afastar do espelho d’água em que via o próprio reflexo. Encantado com a beleza
que enxergava em si mesmo, não conseguiu sair de onde estava nem mesmo para se
alimentar. E, ao morrer, trouxe a desgraça à ninfa que nutria por ele um amor
não correspondido. Assim são as pessoas que vão morrendo na medida em que vivem
para elas mesmas, e ao mesmo tempo elas vão matando as possibilidades de novas
relações ou mesmo de manutenção das já existentes.
O que torna
difícil perdoar talvez seja essa ideia que temos de nós mesmos, de que somos
tão “legais” e “importantes”, que as pessoas devem satisfazer nossas
expectativas. Quando isso não acontece, há o ressentimento que leva ao romper
dos relacionamentos.
As relações
humanas não se sustentam quando a pessoa se esconde atrás de muralhas feitas de
expectativas. Esses relacionamentos só podem florescer na medida em que se é
capaz de compreender que todos os indivíduos são, em maior ou menor medida, seres
humanos doentes e invejosos, e que só se pode vencer isso, sem nunca erradicar
de todo essa particularidade, encarando o fato e lutando contra ele. Todos têm
defeitos e lutas (neuroses e invejas) e, por isso mesmo, não se deve esperar do
outro o que não se tem para dar. De acordo com a linguagem psicanalítica,
ninguém escapa, somos todos “doentes”.
Como a
psicoterapia pode ajudar a perdoar?
A psicoterapia
tem como meta levar o ser humano a buscar e reconhecer sua própria verdade. De posse
disso, a pessoa pode tomar consciência de suas expectativas em relação a si
mesmo e aos outros. Aprende que o óbvio, na maioria das vezes, só é óbvio para
quem está de fora. Na medida em que ela vai vendo sua própria complexidade, ela
pode se tornar flexível, que é a capacidade de compreender que o outro, como ela
mesma, tem seus próprios enigmas.
Tenho visto
pessoas que vão para a psicoterapia e ficam arrogantes, insuportáveis, chegando
mesmo a romper com suas relações. Isso é até compreensível no começo, enquanto
esse paciente se liberta das suas neuroses. Mas quando a pessoa vai ficando
cada vez mais intragável, incapaz de reconhecer sua complexidade e a do outro,
isso significa apenas que a criança foi reforçada, e que não houve avanço para
a vida adulta. Maturidade significa ser capaz de se relacionar com as pessoas,
reconhecendo que elas são tão complicadas como eu sou, ou como um dia fui.
A Psicoterapia
permite que a pessoa trate de si mesma, reconhecendo quem é, trata-se de uma
ação em que não se procuram culpados. Caso o tratamento seja bem-sucedido, as
relações ficarão consequentemente mais ricas. E nunca é demais lembrar que a
vida humana se faz nas relações sociais. Não há felicidade fora das relações
humanas. Como a Sociologia afirma, todos somos entes gregários, todos somos seres
sociais.
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