terça-feira, abril 01, 2014

Pode a Psicoterapia ajudar a perdoar?

De acordo com as pesquisas, as mágoas podem ser uma razão relevante para ficarmos adoecidos emocionalmente e fisicamente. Religiosos e cientistas concordam que o melhor caminho é caminhar sem nenhum peso de mágoa no coração. Entretanto, a mágoa é uma realidade clínica, encontramos filhos magoados com seus pais, pais com seus filhos, esposas com seus maridos, maridos com suas esposas, irmãos entre si. E não é incomum que familiares não troquem uma palavra sequer entre eles por décadas. Nas relações de trabalho, ou entre colegas e amigos, são muitas as relações destruídas pela mágoa. E me parece que a mágoa é como uma boa semente, que tem seu terreno, o coração humano, adubado com os mais equilibrados compostos.
Por que, então, é tão difícil perdoar?
Para Freud, o criador da teoria psicanalítica, somos todos neuróticos, o que é bom, pois estes são os menos doentes. Os demais são classificados como psicóticos e perversos. Os psicóticos são as pessoas cujo contato com a realidade está interrompido. E os perversos são as pessoas para quem o outro não tem nenhum valor. São comumente confundidos com os psicopatas, o que é errado, pois trata-se de outra coisa.
Freud também afirma que a inveja é a base para todas as construções humanas. Tudo que foi criado a teve como motivação. Sendo assim, podemos concluir que, sendo doentes e invejosos de fato, perdoar parece algo para além dos humanos, talvez só para aqueles que provaram o néctar dos deuses, não dos deuses gregos, porque estes são tão temperamentais como nós.
Os humanistas afirmam que o homem é o centro de toda criação, sendo um ser racional, com consciência intencional. Segundo essa assertiva, a pessoa humana é incapaz de atingir todas as suas potencialidades por causa da influência do ambiente. Rousseau foi além, dizendo que “o ser humano nasce bom, e a sociedade o corrompe”. Estaria a dificuldade em perdoar relacionada ao ser bom ou ser mau da pessoa, ou ao ambiente que a cerca. Como o ambiente tem os tons que a pessoa dá, fica difícil sustentar a ideia de Rousseau. O histórico da saga da Humanidade mostra que perdoar é uma das mais difíceis tarefas que cabem a homens e mulheres.
Partidário do pessimismo, o filósofo Jean-Paul Sartre disse que “o inferno são os outros”, indicando que todos os relacionamentos trazem uma carga de tensão, que inexiste quando a pessoa mergulha na misantropia ou na total falta de empatia para com “o outro”.
Nossas expectativas com relação aos outros tem a ver com a maneira como enxergarmos a nós mesmos. Esperamos do outro o que acreditamos oferecer a ele. Mas essa crença, esse acreditar pode ser um grande equívoco, na maioria das vezes as pessoas se enganam quanto ao que oferecem aos demais.
As expectativas levam a esperar do outro aquilo que se quer. Isso equivale a dizer que elas têm a ver com o egoísmo. É uma atitude infantil esperar dos outros a satisfação das necessidades que se tem. Popularmente, essa posição é chamada “umbigolatria”, a autoadoração segundo a qual o Universo gira em torno de quem se avalia de forma superestimada.
O egoísmo parece, em última instância, ser o grande problema do ser humano. O egoísta é aquele que vive em função de si mesmo, geralmente é melindroso, traz em si uma criança que insiste em ocupar o lugar do adulto. Normalmente há uma exagerada autocomplacência e, num lado oposto da mesma moeda, uma extrema autocriticidade, e uma ou outra coisa irá desembocar na sua relação com os outros. Esse indivíduo sempre esperará que os demais supram as necessidades dele, sejam elas quais forem, delegando assim a terceiros a gerência de sua própria vida, o que certamente provocará muitas mágoas.
Narciso, figura da mitologia apropriada pela Psicologia e pela Psicanálise, morreu por não conseguir se afastar do espelho d’água em que via o próprio reflexo. Encantado com a beleza que enxergava em si mesmo, não conseguiu sair de onde estava nem mesmo para se alimentar. E, ao morrer, trouxe a desgraça à ninfa que nutria por ele um amor não correspondido. Assim são as pessoas que vão morrendo na medida em que vivem para elas mesmas, e ao mesmo tempo elas vão matando as possibilidades de novas relações ou mesmo de manutenção das já existentes.
O que torna difícil perdoar talvez seja essa ideia que temos de nós mesmos, de que somos tão “legais” e “importantes”, que as pessoas devem satisfazer nossas expectativas. Quando isso não acontece, há o ressentimento que leva ao romper dos relacionamentos.
As relações humanas não se sustentam quando a pessoa se esconde atrás de muralhas feitas de expectativas. Esses relacionamentos só podem florescer na medida em que se é capaz de compreender que todos os indivíduos são, em maior ou menor medida, seres humanos doentes e invejosos, e que só se pode vencer isso, sem nunca erradicar de todo essa particularidade, encarando o fato e lutando contra ele. Todos têm defeitos e lutas (neuroses e invejas) e, por isso mesmo, não se deve esperar do outro o que não se tem para dar. De acordo com a linguagem psicanalítica, ninguém escapa, somos todos “doentes”.
Como a psicoterapia pode ajudar a perdoar?
A psicoterapia tem como meta levar o ser humano a buscar e reconhecer sua própria verdade. De posse disso, a pessoa pode tomar consciência de suas expectativas em relação a si mesmo e aos outros. Aprende que o óbvio, na maioria das vezes, só é óbvio para quem está de fora. Na medida em que ela vai vendo sua própria complexidade, ela pode se tornar flexível, que é a capacidade de compreender que o outro, como ela mesma, tem seus próprios enigmas.
Tenho visto pessoas que vão para a psicoterapia e ficam arrogantes, insuportáveis, chegando mesmo a romper com suas relações. Isso é até compreensível no começo, enquanto esse paciente se liberta das suas neuroses. Mas quando a pessoa vai ficando cada vez mais intragável, incapaz de reconhecer sua complexidade e a do outro, isso significa apenas que a criança foi reforçada, e que não houve avanço para a vida adulta. Maturidade significa ser capaz de se relacionar com as pessoas, reconhecendo que elas são tão complicadas como eu sou, ou como um dia fui.

A Psicoterapia permite que a pessoa trate de si mesma, reconhecendo quem é, trata-se de uma ação em que não se procuram culpados. Caso o tratamento seja bem-sucedido, as relações ficarão consequentemente mais ricas. E nunca é demais lembrar que a vida humana se faz nas relações sociais. Não há felicidade fora das relações humanas. Como a Sociologia afirma, todos somos entes gregários, todos somos seres sociais.

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