Sou psicóloga. Sou mãe. Meu filho hoje tem 20 anos. Lembro
bem do dia em que fiz a primeira ultrassonografia e soube que ele era um
menino. Eu , seu pai ( hoje falecido), e as famílias celebraram. Era o primeiro
neto da minha família e, o primeiro neto homem da família do seu pai.
Eu o criei com todo amor que as mães têm. Eu o embalei no
colo, o amamentei ainda que meu peito rachado ficou nas primeiras semanas. Eu,
como toda mãe passei a comprar para ele sempre que tinha que optar entre minha
necessidade e a dele. Eu vi aquele bebê crescer, seu primeiro passo, quando
falou mãe pela primeira vez e, como toda mãe o achava lindo demais.
Seu primeiro uniforme, sua primeira escola foi um dia
histórico pra mim. Pensava, vou dar a ele a melhor escola que puder, vou
comprar todos os livros para incentivá-lo a ler. E como mãe de primeira viagem
e de filho único, como sonhei com seu futuro. Eu também o criei na fé que
tenho, levando-o a igreja, me empenhando para que participasse de tudo que a
comunidade disponibilizava.
Quando fez 14 anos, coloquei ele no projeto jovem aprendiz,
ele teve então o seu primeiro trabalho, não queria muito no início, mas depois
tomou gosto pelo salário.
Mas, ele cresceu... cedo decidiu romper com a fé em que foi
criado, estudar logo parou e, quase enfartei quando me disse que queria ir para
escola pública porque não queria estudar para se preparar para o vestibular. Os
meus planos para seu futuro brilhante, um a um, foi sendo derrubado por suas
escolhas.
A sociedade, essa que não está quando dela precisamos, me
acusou de culpada, afinal, eu não fora um bom modelo. Eu, pensei, eles tem
razão, sou culpada por suas escolhas... então comecei a morrer...
Em vão busquei compreender o que acontecia nos livros, mas a
dor não arrefecia. Eu só não enlouqueci nessa fase por causa do tratamento
psicológico que estava submetida. As mães bem sabem que os problemas nunca veem
sozinhos, vem sempre de mãos dadas com outros e, como é difícil lidar com todos
eles de uma só vez.
Eu fiquei sem compreender nada. Eu gritei ao sagrado: Por
quê?
O luto se instalara em minha alma. Até que comecei aprender
que a escolha da vida dele, é dele. Eu só posso escolher pra mim. O filho que
criei não é meu, e minha mãe tem razão, criamos filhos para viverem a vida deles, e não a que eu idealizei para ele.
Aprender isso não foi um caminho fácil. A razão é sempre
rápida, mas as emoções... andam a passos de tartaruga, são lentas... Contudo eu
segui minha vida, aquela que eu recebi para cuidar. Coloquei os pés na
estrada da verdade, de que a vida de alguém só pode ser vivida por ela mesma, e
que ser mãe não é ser responsável pela escolha que os filhos fazem. Então
levantei minha cabeça.
Aprendi que respeitar escolhas humanas passa pela difícil
realidade de que as pessoas podem escolher caminhos que eu jamais escolheria
para mim.
Atualmente trabalho com homens acima dos 18 anos que são
portadores da SPA- Síndrome de substância psicoativas, em outras palavras
dependentes químicos.
Em minha rotina do trabalho é comum perceber que muitas mães
estão morrendo pelo sofrimento imposto pelas escolhas dos seus filhos.
E os filhos as vezes escolhem cada caminho...
Atendi um aluno que me dizia, ‘Dra. Estou com tanta saudade
do crack, mas não quero mais aquela vida pra mim’. E mesmo com saudade do
prazer da droga, não desistiu do programa de recuperação e, se tornou
voluntário no projeto que o acolheu. Outros são levados por suas mães,
raramente os pais estão presentes e, muitos deles olham com deboche as lágrimas
dessas guerreiras que suplicam por um vaga para que se trate. Estes,
normalmente desistem do tratamento. Outros vem de longas distâncias, chegam a
pé e cansados da vida que estão levando e dizem,’ não quero viver me destruindo
mais’. Estes suportam com valentia a crise de abstinência e mesmo diante dos sintomas
como nervosismo, paranoia, depressão e outros, não desistem, vislumbraram o que
estão fazendo com suas vidas e, desejam construir uma história diferente.
Outros, chegam arrogantes, pensam ainda dominar as drogas, quando já estão dominados
por elas, esses não ficam mesmo e, nenhum argumento, por mais que o usemos, não
os fazem mudar de ideia. Outros chegam querendo muito um novo caminho, e, como
profissional percebo sinceridade em seus discursos, porém estão tão afetados,
não sei se pela desesperança, ou pela consequência do uso das drogas que
alteram o funcionamento cerebral, que não conseguem ficar e, os vemos sair pelo
portão da frente... Nada podemos fazer como profissional e, um nó fica na
garganta da equipe que o atende.
O que nos falta para ajudar? Eu me pergunto.
E vejo que as mães também trazem essa pergunta e tantas
outras, tais como: Onde foi que eu errei? Meu filho vai morrer Dra. se eu o
deixar em sua escolha? O que fazer se ele não quer ajuda?
Por vezes meu coração sangra... não acredito que o bom
profissional é aquele que não se compadece... acredito que o bom profissional é
aquele que faz, o que necessita ser feito, independente do quanto ele é marcado
pelas dores que trata. Então, confesso que sofro com as muitas mães que atendo.
Por isso escrevo hoje, não como mãe, porque como mãe, estou
marcada pela incompreensão dos caminhos trilhados por tantos filhos. Escrevo
como psicóloga, por perceber que a psicologia pode apontar caminhos para
aplacar os corações feridos.
E a primeira coisa que considero importante que uma mãe
reflita, é que ela errou sim, como erra qualquer outra mãe. Errar é a realidade
de quem educa humanos, afinal, sendo cada um tão único, não temos manual
pronto. O que importa é identificar, e se houver tempo, mudar a rota. Uma mãe
me disse, ‘eu pensava que o ajudava dando-lhe dinheiro, mas vejo que o ajudei a
usar drogas’, a mãe que buscava tratamento, era a mesma mãe que mantinha seu
vício, esse é um erro que precisa ser corrigido, de outra sorte a mãe que quer
salvar, torna-se cúmplice dessa estrada de morte que está sendo construída por
seu filho.
Certa mãe me disse, ‘se eu não pagar suas dívidas de drogas,
os traficantes vão matá-lo’. Isso é certo, mas se ele não mudar de rota, ele
vai morrer, é só uma questão de tempo, afinal, o mundo do tráfico é cruel e as
drogas não poupa o corpo dos seus danos. Eu pergunto quem irá salvar aquele que
se colocou na mira do revolver para ser acertado? Terrível ilusão as mães têm
quando ocupam o lugar dos super-heróis, porque esses personagens criados pela
ficção tem poderes mágicos, mas nós, pobres mortais mães, o que temos? Diante
de uma sociedade injusta, onde a desigualdade social impera, o que pode fazer
as mães com as drogas que são vendidas a cada esquina? O que pode fazer um mãe
de filho adulto, onde a idade civil já foi alcançada?
Ninguém pode ajudar alguém que faz uso de drogas, se essa
pessoa não se decidir tratar. Todas as técnicas que aprendi nesses anos de
trabalho ajudam muito e, tantas vezes trazem o despertamento, mas quando a
pessoa insiste em permanecer nesse caminho, o que nos resta é respeitar.
Mas, as mães nem sempre conseguem. Elas acreditam que tem que
fazer algo para filhos adultos, os quais elas já perderam todo o domínio sobre
suas vidas. Muitas vezes, eles mesmos as lembram de que não são mais crianças,
gritam sua independência, saem de casa, anda com más companhias, matam aula que
custam muito tempo de suor. Filhos... quem pode de verdade ajudá-los?
E nessa tentativa de salvá-los as mães vão morrendo, vão se
abandonando, deixam os filhos saudáveis e, vão vivendo em função daquele que
adoeceu, mas não quer tratamento. Quem dará remédio a quem não quer tomar? E
ainda que você tente, eles os escondem na boca, para depois jogar fora. Creia, o
adulto faz só o que quer.
Mães, os vínculos que nos unem aos filhos são profundos... nove meses, talvez nem nove vidas vividas poderão diluir esses vínculos, mas é preciso compreender e aceitar que os filhos cresceram. E o adulto que hoje contemplamos sem compreender, não é aquele bebê que a gente um dia carregou no colo, ele já anda com suas próprias pernas. É preciso deixar ir quem não quer se submeter a nenhuma regra ou conselho, é preciso desmamar o marmanjo que não quer trabalhar, é preciso permitir que as consequências das escolhas feitas sejam assumidas pelas pessoas que escolheram. É preciso viver a vida que recebeu e, se não está conseguindo sozinha, busque ajuda, não tenha vergonha, não foi você que escolheu o caminho das drogas. Levante a cabeça e cuide da sua vida. Você é preciosa e merece ser feliz.
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